Prof. Carlos Eduardo Félix da Costa expõe no Paço Imperial
A exposição Davuls de Salé apresenta um panorama atual da obra do artista e professor Carlos Eduardo Félix da Costa (Cadu) tem início no dia 17 de abril no Paço Imperial. A mostra conta com a participação de três colaboradores: Adriano Motta, Maneno Juárez e Virgilio Bahde. Com curadoria de Felipe Scovino, crítico de arte e também professor, a exposição apresentará a diversidade de linguagens exploradas pelo artista individualmente e em parceria, através de fabulações debruçadas sobre a história da pirataria, organizadas pelo escritor Peter Lamborn Wilson em seu livro “Utopias Piratas” (1995).
“Os janízaros parecem ter sido os primeiros na história a usar marchas militares, e quando suas bandas apareceram berrando e ribombando ante os portões de Viena, diz-se que os soldados cristãos jogaram suas armas ao chão e fugiram só de ouvir o som”. (Wilson, p. 36, 1995). Alegorias sobre saque, violência, erotismo, morte e vida se apresentam, constituindo narrativas que usam o passado como pano de fundo para comentar contradições da atualidade. O artista e colaboradores agem através de “padrões de pensamento” típicos dos bucaneiros para a realização das obras, tais como: a noção comunitária como uma rede de gestos criativos; a confluência de distintas culturas, que pode ser observada no entrecruzamento entre pensamento ocidental e tradições ancestrais; e na composição líquida e sem regras, às vezes violenta, às vezes carregada de humor.
Entre os séculos XVI e XIX, corsários muçulmanos do Magreb devastaram navios europeus, escravizaram povos e fundaram a República Corsária Moura de Salé. Durante esse período, milhares de europeus se converteram ao Islã e se juntaram ao que Wilson chamará de “guerra santa pirata”. Essa forma anárquica de capitalismo, que os piratas tomam para si, encontra ecos nas esculturas, desenhos, filmes e instalações realizadas por Cadu e sua horda de rebeldes do mar. Por exemplo, os vídeos e gravuras digitais do Dada Fidget Toy Orchestra, duo composto por Cadu e Motta, são feitos através de um processo semelhante à pilhagem, ao constituírem digitalmente formas abjetas encontradas nos metaversos, para discutem sarcasticamente o lugar da cultura da mercadoria na contemporaneidade, fazendo uso de seus próprios métodos de obsessão e compulsividade. O projeto usa tecnologias de modelagem e animação, explorando catálogos de lojas virtuais e coleções de instituições científicas, sobrepondo referências da cultura de massa e erudita.
Na sala dedicada ao grupo haverá também uma série de globos celestes criados por Adriano, apresentando mappa mundi com figuras metamorfoseadas, criaturas místicas, terras com aspectos sombrios e outras fantasias em cartografias que ilustram regiões inexploradas e misteriosas e seus possíveis perigos para navegação.
O mar também serve de inspiração para a série de desenhos Nadar Nada Mar, realizados em grade formato sobre papel. Sereias, Krakens, Leviatãs e outras bestas marinhas amalgamam-se, constituindo quimeras através de grafite, colagem e óleo, num imaginário simbólico barroco de terror e deslumbramento. Reforçando a ideia de fabulação e a conexão intrínseca que seu trabalho tem com a linguagem, Cadu escreveu poemas para cada uma das obras, baralhando referências das ciências, de cosmogonias e da literatura.
O que une essas obras é uma dimensão temporal desacelerada, permeada por uma atmosfera de estranhamento e beleza que elabora metáforas sobre gênese e apocalipse. Se a alegoria topográfica de Tectônicas, placas resultantes do acúmulo de tintas e vernizes prensados, nos lembram ilustrações científicas, e se a semelhança topológica da série Nácar com sambaquis traz uma perspectiva geológica sobre um passado milenar, de certa forma, esbarrando em um índice sobre o início dos tempos, Schwein Gehabt parece ser a representação metafórica da morte. O ditado que batiza a peça expressa “boa fortuna” em alemão. A conversão direta para o português seria “tinha um porco”. Porém, o próprio Google Tradutor sugere como resposta a expressão “por sorte”. Possuir este animal é sinal de provisões para períodos de escassez. O porco é tabu para judeus e árabes; no entanto, é a carne mais consumida do mundo. É ela que se oferece a Omolu, o Orixá que traz a peste, mas também a cura. Maus políticos e policiais são conspurcados com seu nome. Em a “Ceia dominicana: romance neolatino”, do escritor capixaba Reinaldo Santos Neves, temos o “porco de Tróia”, prato servido durante o jantar na residência de uma das personagens. É recheado de asquerosas e apetitosas iguarias: a síntese perfeita do convívio entre contrários. Foi no termo do Ano do Porco, pelo calendário chinês, que se iniciou a pandemia de Covid-19. A instalação é composta por cabeças suínas feitas em resina e pó de mármore, que acolhem em seus interiores água, que pinga sobre pratos de bateria equalizados e amplificados para soarem como gongos, constituindo a trilha sonora sobre a qual toda a mostra se desenrola.
Sejam as obras descritas acima ou as metalurgias de Cadu e Virgilio Bahde, há constantemente a remissão ao estado do informe. As mesmas formam um conjunto escultórico que, através de processos de galvanoplastia e técnicas de joalheria, combina materiais como madeira, ossos animais e pedras semipreciosas em trabalhos que trazem referências a estágios de surgimento da vida nos três reinos naturais: animal, vegetal e mineral.
Outro conjunto de trabalhos em colaboração são as esculturas sonoras Beijo para o Mar e Pio para o Píer com Maneno Juárez. Na primeira, 21 apitos divididos em três conjuntos são posicionados a uma distância relativa entre si na galeria, servindo de veículo para diálogos pneumáticos. As esculturas produzem notas musicais, indo do agudo ao grave, do brado ao sussurro. Clamores que podem ser orquestrados, enquanto emulado o gesto primeiro do criador, que, ao soprar o barro, nos insuflou de vida. Já na segunda, utiliza-se a técnica tradicional peruana de modelagem para construção de vasos sonoros movidos por água. Juárez, reconhecido ceramista da comunidade Chulicana, desenvolveu em escala inédita três pares de diferentes tamanhos. Eles são acionados manualmente por um mecanismo semelhante a uma gangorra. O líquido em seus interiores empurra o ar que, por sua vez, produz sopros nos apitos localizados na parte superior das estruturas. A tradição os decora com cabeças de pássaros, fato que colaborou para o título da obra.
Assim como em Beckett, há um interesse nessa exposição em estender o tempo sob um regime de desaceleração – operação totalmente contrária à velocidade do presente – ao limite máximo, isto é, fazer da duração da peça a duração da exposição: igualar uma à outra.
Davuls de Salé é a primeira exposição institucional de Cadu no Rio de Janeiro desde 2011.
Abertura: 17 de abril 2023, das 15h às 18h
Exposição: até 7 de julho de 2023
Paço Imperial – Praça XV de Novembro, 48 – Centro – Rio de Janeiro – RJ
Terça a domingo, das 12h às 18h
Entrada gratuita